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Relato de Parto - A Visão de um Pai


Equipe! <3

Parto. Normal. Natural. Humanizado. Vaginal. Cesárea.


Já falei um pouco de como foi o começo do nosso contato com esse mundo nesse texto: O PARTO.



Só que nada, meus amigos, se compara ao momento em que o furacão chega. E essas 40 semanas e 03 dias falando sobre revoluções corporais e psicológicas, hormônios, expectativas e ansiedades, enfim se colocam à prova no tão esperado momento.



Pós-parto


Antes de detalhar o dia P, queria contar que estou escrevendo esse texto no conforto do meu lar. De madrugada, sentado no tapete do quarto, com uma cachorrinha já mais calma deitada no meu pé, uma mamãe linda na poltrona que nem parece que há poucos dias foi uma super guerreira no trabalho de parto, e um bebê(zerro) lindo mamando sem parar. Nada diferente da vida que pedimos à Deus. Talvez com um pouco menos de tempo do que esperávamos, é verdade, mas mais plenos do que nunca vivendo o êxtase dos primeiros dias após conhecer pessoalmente o nosso filho. A descarga de emoções é longa e demora a passar, mas aos poucos a vida vai se encaixando.


A ansiedade pela hora H dá lugar ao “como faço o tempo passar mais devagar?”



Quarta-feira, 24/01


Véspera de feriado em São Paulo. Ana Julia aproveitava os últimos dias e, entre algumas tâmaras e outros exercícios, foi com a mãe no cinema. Lá sentiu as primeiras contrações e já começou a ficar mais esperta. Mãe, vó e irmã já se entreolhavam: “É hoje!”.


Resumo da noite: chegamos em casa e Ana já deixou uma muda de roupa do lado da cama. Expectativa total para irmos para o hospital durante a noite. Aplicativo de cronometragem de contrações ligado só esperando o ritmo ideal (*a sugestão é ir para o hospital somente quando as contrações estiverem ritmadas com duração de 40 segundos a 1 minuto e frequência a cada 3 minutos).



Quinta-feira, 25/01


Nove horas da manhã. Acordamos e o mundo continuava igual. Eu, ela e Inhotinha na cama. O cesto-berço ao lado ainda vazio. Não teve hospital nem festival de contrações. “Ufa” num primeiro momento. “Cadê?!”, logo em seguida.


Então vamos aproveitar o feriado regado à cafézão da manhã, açaí e almoço com as amigas. A pedido da doutora Priscila, nossa médica, às 17h faríamos exames de vitalidade no hospital. Chegamos lá e as contrações pareciam cada vez mais ritmadas. Ultrassom e batimento do coração do nosso bebê mostravam que estava tudo certo, mas as médicas já pareciam sentir que estava chegando. No exame de toque a primeira boa notícia: 2 centímetros de dilatação (*para o parto normal, espera-se que a gestante chegue a 10 centímetros)! Mas ainda assim Martin parecia muito tranquilo e todo o resto seguia normal, então rolou uma ajudinha – mais conhecida como “descolamento de membrana” (um método simples realizado pelo médico no exame de toque para tentar induzir o parto sem medicações).


Resumo da noite: saímos de lá ansiosos (“Será que esse descolamento faz efeito rápido?”). As contrações ganharam ritmo e aumentaram muito. O “Contraction Timer” explodiu e cronometrou nada mais nada menos que OITENTA contrações durante a noite (papai e mamãe revezavam entre apertar o play e o stop, ou seja, alguém aí ainda acha que alguém dormiu essa noite?). Porém as contrações ainda variavam muito com intervalos que iam de 5 a 30 minutos, ou seja, nada de trabalho de parto suficiente para enfim usar aquela muda de roupa que brilhava cada vez mais do lado cama.



Sexta-feira, 26/01


Papai quis ser profeta na noite anterior. Vendo a família toda ansiosa, arrisquei: “Calma que a noite vai passar de novo e a notícia vai ter um pouco mais de emoção. Papai vai sair pra trabalhar na sexta de manhã e receber aquela clássica ligação: Corre!


Dito e feito. Pouco tempo depois de chegar no escritório o telefone tocou pra contar que as contrações chegavam a cada minuto. Foi o tempo de pegar as malas da maternidade em casa e voar para o hospital.



O Dia P


12h51: Chegamos no hospital. Deixa a papelada para depois, vamos direto para a avaliação. Em um minuto Ana está na maca com os aparelhos na barriga para monitorar o Martin. Grita muito e, entre uma contração e outra, chora. Em um misto de dor e emoção, a gente se abraça: a hora está chegando. Dilatação de 4-5 centímetros.


A ordem foi clara: pai, vai lá, troca de roupa e encontra a gente na área dos quartos de parto. O que tenho que levar? A todo momento tentava lembrar: celular e carregador. O trabalho de parto pode ser longo, mas a música tem que tocar e as fotos têm que sair. Ah, acabei deixando o tênis e colocando um chinelo também (pais, fica a dica: cruzei com vários pais de bota, sapato, e me orgulhei do meu conforto).


Segura a emoção!


A essa hora doutora Priscila já havia chegado. Ela foi indicação da Dada, prima da Ana que também é ginecologista obstetra, e topou desde o início mergulhar nessa história com a gente. Sabia que vinha um longo dia pela frente, mas seguiu ao nosso lado a cada minuto dessa aventura.


Minutos depois estávamos em uma salinha da maternidade. Simples, com uma cama, uma cadeira e um banheiro com chuveiro. O Hospital São Luiz tem alguns “Delivery Rooms”, que são salas equipadas e pensadas especialmente para o parto normal. Elas têm banheira, bola de pilates, outros tipos de banquetas e estruturas para exercícios, além de todo o equipamento para assistir aos procedimentos – tem até luz baixa e rádio para dar uma ambientada na situação. O problema é que não dá para reservar esses quartos, ou seja, você tem que dar sorte. A gente deu, mas não deu. Só três quartos estavam funcionando, e os três ocupados. O “problema” é que nunca se sabe quanto vai demorar um trabalho de parto, além do fato que esses quartos possibilitam um conforto maior para os pais deixando que após o parto eles fiquem com o bebê durante um tempo.


O fato é que a essa hora nossa realidade era o outro quarto. Ana Julia não conseguia sentar nem deitar por causa da dor, e ficava revezando entre caminhar pelos corredores ou tentar fazer exercícios em uma bola que a doutora Priscila nos trouxe. A cada duas horas rolava um exame de toque para acompanhar a dilatação e a situação do colo do útero. Eu seguia ao seu lado tentando oferecer o pouco que tinha em minhas mãos: carinho, parceria e massagens. Ah, e meus braços pra que ela pudesse apertar e arranhar a cada contração. De fundo rolava a #VemMartin, nossa “playlist do parto” preparada especialmente para esse dia.


A cada meia hora pedíamos atualizações dos Delivery Rooms: uma das gestantes estava há mais de 24 horas; outra evoluindo mas ainda faltava bastante; a última, quase tendo seu filho. “Mais uma horinha e liberamos!”, eles diziam. Essa horinha virou duas, três... e Ana já não aguentava mais. Pediu anestesia porque já não suportava a dor. Eu sabia o quanto era dolorido pra ela – não a dor da contração em si, mas a dor de pedir anestesia sabendo que isso de certa forma ia contra o que ela planejava. Eu tentava dar forças e entender o que aliviava mais as suas dores para tentar ajudar com alguma orientação. Nesse momento, foi o chuveiro. Entrou e saiu umas três vezes, e ficava ali, com a barriga na água quente, quase dormindo em pé, mas respirando um pouco mais confortável.



16h12: Ana seguia evoluindo, agora com 6 centímetros de dilatação. Mas a empolgação durava só até a próxima contração: “anestesia, p o r f a v o r !”. O problema era que se ela tomasse anestesia naquele quarto, não poderia trocar depois. Então combinamos o seguinte: esperaríamos uma vaga em um dos Delivery Rooms para aí sim aceitar a anestesia. Era fato que ela precisava conseguir descansar nem que fosse por um minuto. A estratégia era aliviar a dor por uns instantes para poder relaxar e comer alguma coisa. Contando a noite virada e a manhã cheia de contrações, ela não comia nem dormia há muito tempo. E eu sabia que o seu corpo já não tinha mais forças nem energia para aguentar tanta dor. Pensando nisso a doutora Priscila pediu para colocarem um acesso com soro e glicose para tentar dar um respiro de energia. Agora a caminhada e o banho ganharam a companhia de um carrinho com uma bolsa de soro pendurada...



19h05: Demorou, mas aguentamos. Muitas “uma horinha” depois, não só um, mas os três Delivery Rooms ficaram livres de uma vez. Uma das gestantes conseguiu ter o seu filho lá mesmo, de parto normal. Já as outras duas tiveram que ir para o centro cirúrgico realizar uma cesárea – incluindo aquela que estava lá há mais de 24 horas...


Esse foi só um dos momentos que me mostraram que esse processo todo é feito de detalhes. São linhas muito tênues que podem mudar a história toda em uma fração de segundo. Por isso fazíamos questão de ter nossa cabeça muito bem trabalhada: vamos tentar ao máximo fazer com que o Martin venha da forma mais natural possível. Se por alguma das muitas variáveis tivermos que mudar algo no meio do caminho, tudo bem. Ana queria sentir o processo do nascimento do nosso filho. Queria entrar em trabalho de parto, sentir a vontade dele de vir ao nosso mundo. Mas tentando manter a consciência de que se algo não saísse conforme o esperado, continuaria tudo bem. Em breve teríamos nosso filho com a gente.


O plano seguiu, a dilatação evoluiu (8 centímetros) e em poucos minutos Ana estava recebendo sua tão desejada dose de anestesia. E nesse momento tive o meu primeiro susto: Martin estava na barriga da mãe, e naturalmente recebia também um pouco de tudo que era colocado em seu corpo. Essa era uma das preocupações que tínhamos com esse momento. O batimento dele também foi caindo, e ficamos aflitos por alguns minutos. Felizmente em pouco tempo ele já estava normal, e Ana conseguindo pela primeira vez em muitas horas relaxar por alguns minutos. O alívio dela era o nosso alívio.


Foi aí que chegou a doutora Isabel, que viria para acompanhar a doutora Priscila, nossa médica, nas etapas finais do parto. Essa, devo destacar, foi uma decisão acertadíssima! A Bel chegou com “sangue novo” e super animada em um momento primordial, renovando o clima e incentivando muito a Ana a seguir.



20h21: O parto evoluía bem, mas algumas coisas ainda preocupavam por estarem mais devagar do que o esperado. As horas iam passando, a bolsa ainda estava intacta, o colo do útero alto e Martin teimava em não encaixar de vez. E aí, como se Deus nos quisesse lembrar a perfeição de toda essa história, em um passe de mágica a água começou a descer na cama: ¡se rompió la bolsa!


Ana voltou para os exercícios com a bola, dessa vez com bem menos dor e mais empolgada que nunca. Hora de tocar Beyoncé na playlist! Ficamos ali mais ou menos meia hora conversando e dando risada, enquanto ela seguia com total determinação. A hora estava próxima, e a dúvida já passava a ser: será que ele nasce no dia 26 ou no dia 27?


Estávamos na verdadeira reta final agora, e a doutora Patricia, nossa pediatra, chegou para já ficar atenta à chegada do Martin.


As dores não demoraram para voltar. Com a dilatação estagnada em 8 centímetros, veio a sugestão: “Vamos tentar com a ocitocina*?


(*A ocitocina é um hormônio natural produzido pelo corpo e responsável por ajudar nas contrações uterinas. É considerado um dos pontos mais delicados da discussão sobre o parto humanizado porque muitas vezes acaba sendo usado de maneira inadequada, desde o início do trabalho de parto, o que pode acabar prejudicando muito o processo.)


Nessa hora lembrei de todas as vezes que a Ana falava que eu estaria ali como seu “doulo”, ajudando em cada momento mesmo quando ela não estivesse tão certa dos seus raciocínios. E pedi para que esperássemos. Ela estava sendo tão guerreira, eu sabia que poderíamos aguentar um pouco mais...



21h30: As últimas duas horas são as mais difíceis de lembrar. Ana Julia variou nos exercícios, usando todos os equipamentos que a tal Delivery Room oferecia. Fez força como nunca, e aos poucos foi sendo recompensada com a evolução do seu trabalho de parto. Martin estava chegando!


Havíamos passado dos 9 centímetros e a dor tinha voltado com tudo. Praticamente 9 horas de parto e nessa hora, meus amigos, não há plano de parto* que segure. Nossa ideia era ter um parto o mais natural possível, mas nosso objetivo era que o Martin nascesse com segurança e saúde, e que a Ana pudesse passar por todo o processo e chegar ao final pronta e feliz para receber o seu filho. Não seria uma anestesia e uma dose mínima de ocitocina que tirariam nosso objetivo.



22h e alguma coisa: Doutora Bel me pergunta: “Felipe, estou vendo a cabeça do seu filho. Você quer ver?”


Não entendi direito, mas óbvio que topei. Cheguei mais perto e “Meu Deus!!!”. Ele ainda estava a um dedo de distância, mas de repente eu pude concluir duas coisas: É muito cabeludo. E o cabelo é preto!


Claro que guardei a surpresa pra mim, e dali em diante não largaria a mão da Ana por nada. Após mais um exame de toque, a conclusão foi taxativa: “Se é que isso existe, a Ana Julia está com 9.9 centímetros de dilatação!”. E a partir daí entramos no processo de “expulsão” do bebê.


Dessa parte ficou a lembrança que mais me marcou nessas quase 11 horas de trabalho de parto no hospital. A admiração cada segundo mais surpreendente por minha mulher.


Eu simplesmente nunca tinha visto aquilo. Não eram mais as horas de dor que me surpreendiam, mas sim o foco que aquela mulher mostrava pra quem tinha o privilégio de estar ali. Valeu cada sessão de fisioterapia, massagem, conversas com nossa doula (obrigado Maíra, você foi essencial) e cada noite de Epi-No*. A vontade e o foco que eu via nos seus olhos enchiam meu coração de orgulho. E meus olhos de lágrimas.


O exercício, agora, era fazer a maior força possível a cada contração sentida. Força; respira; mais força. Eu segurava sua mão, que agora segurava a minha como quem passeia tranquila por aí. Eu via seu rosto, sereno como se não estivesse quase desmaiando de tanto esforço. Ana sabia o que tinha que fazer, havia se dedicado meses por aquele momento. Concentrava toda sua luta no lugar certo, e mantinha o resto do seu corpo firme dando suporte ao momento de dar à luz o nosso filho.


No bolso eu deixava os dois telefones: um que aos poucos tentava abastecer a família de notícias. Outro tocando nossas músicas preferidas, com duas delas já separadas e esperando o grande momento: as músicas que eu e o Paulinho, meu cunhado e padrinho, fizemos para o nosso pequeno. Seria como sonhamos, com a gente cantando para o seu nascimento.



26 de janeiro de 2018, 23h03: Nasce Martin Scochi Novaes Pontual.


Nosso bebê finalmente dá as caras. Nasce roxinho, cansado, completamente mole por todo o esforço que fez com a mamãe ao longo do dia. Mas também nasce lindo. Vem direto ao peito, mas está fraquinho demais. Mamãe, não se preocupe se não pudemos manter o cordão umbilical por mais tempo, nem deixar o Martin se recuperando em seu colo. Essas coisas não se escolhem e não se arriscam. Doutora Patricia estava lá para garantir nossas vontades: não cortar o cordão; não aspirar; não dar essa ou outra medicação desnecessária. Mas lembra da linha tênue que envolve todo esse processo do nascimento?




Martin teve que ir direto para um berço aquecido que estava ao lado da cama, onde recebeu oxigênio pra poder se recuperar. Entre a preocupação e o alívio, me dividi entre acompanhar meu pequeno guerreiro e celebrar minha gigante heroína. Ela olhava pra ele e cantava. Eu tentava acompanhar, engasgado. Aos poucos ele foi respirando e se tranquilizando. Ainda fraquinho descansou no peito da mamãe, e permaneceu ali no quarto com a gente por mais algum tempo.


A sensação de êxtase total batia à porta enquanto eu avisava a família (que esperava o dia todo por notícias do lado de fora) e ao mesmo tempo desejava que aquele momento não acabasse nunca.



Meus guerreirinhos!



00h55: Martin aparece no berçário para delírio da família. Teve de ficar em observação pois a saturação estava baixa, e ele ainda não conseguia respirar perfeitamente sozinho.


Ana foi para o quarto, enquanto pude dar um abraço emocionado em todo mundo no berçário do hospital. Meu filho nasceu! Vejo a enfermeira gesticulando nervosa lá de dentro: esqueci de tirar a roupa do hospital. Alguém acha que estou preocupado?




Martin teve de seguir monitorado e eu, segui revezando entre admirar o meu filhote e cuidar da minha companheira que enfim tinha o seu merecido descanso. A cada hora que subia ou descia no hospital, me assustava com o meu próprio cansaço. Me sentia mal de reclamar... “Se eu estou assim, não consigo nem imaginar como você está!”, dizia para ela.


A noite foi longa. A cada mensagem lida ou pensamento sobre a experiência que tivemos, chorava como criança. Eram quase seis horas da manhã, quase cochilando nas mesas da lanchonete em frente ao berçário, quando me chamaram para conversar. Em vez de subir ao quarto, Martin teria que ser internado na UTI. “Só para observação”. Entendo e sei que não era nada sério, mas vai dizer isso a um pai?


Resumo da história: Martin logo melhorou, e ficou em observação até a manhã seguinte. Às 15h00 do sábado enfim subiu para o lugar de onde nunca mais saiu: o colo dos seus pais.


Os dias passaram, mas essa sensação maluca não. Me delicio a cada dia com as mensagens que recebemos, com as fotos que tiramos, e com os momentos em que nos olhamos e falamos sem abrir a boca: “É o nosso filho...”.


Hoje nossa vida juntos completa sete dias. De madrugada, sentado no tapete do quarto, com uma cachorrinha já mais calma deitada no meu pé, uma mamãe linda na poltrona que nem parece que há poucos dias foi uma super guerreira no trabalho de parto, e um bebê(zerro) lindo mamando sem parar. Nada diferente da vida que pedimos à Deus.


Talvez com um pouco menos de tempo do que esperávamos, é verdade, mas mais plenos do que nunca vivendo o êxtase dos primeiros dias após conhecer pessoalmente o seu filho. A descarga de emoções é longa e demora a passar, mas aos poucos a vida vai se encaixando...



*Coloquei um asterisco em algumas expressões um pouco mais específicas. Algumas já aproveitei pra explicar, outras ainda merecerão um próximo texto por aqui...


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